VOTAÇÃO DO CONCURSO DE CONTOS "Sinal fechado"

Apresentamos o conto "Sinal fechado", da autora Joseléa Galvão Ornellas (adulta). 
Leia aqui o conto na íntegra. Para votar, é só curtí-lo Sinal Fechado no Facebook
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SINAL FECHADO
                                                                                 
 Manhã de outono! Um azul intenso, uma luz radiante e uma brisa suave invadem o carro e a alma daquela mulher! No rádio, a velha música de Paulinho da Viola, pouco a pouco, preenche todo o interior da sua alma e do carro. Que segue... Nem à direita, nem à esquerda, mas justo ali, na pista do meio. A pista central da longa e velha ponte que une aquelas duas cidades, tão próximas e tão distantes! Sem correria, mas também, sem lentidão ela segue adiante. Na velocidade certa para sorver toda magia daquela manhã de outono iluminada. Segue, fazendo coro com Paulinho naquela canção antiga e eterna sobre o reencontro casual de ex- amores num sinal de trânsito. Fechado.


           -“Olá como vai?
- Eu vou indo, e você, tudo bem?
- Tudo bem eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro...
    E você?        
- Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono tranquilo!
- Quem sabe...”
 A luminosidade e a brisa suave daquela manhã a encantam e inebriam. Helena deixa-se levar pelas lembranças de momentos felizes que a canção, pouco a pouco, desperta em sua memória. Absorta, sequer percebe o carro emparelhado ao seu na pista da direita. A buzina, ainda que sem estardalhaço, consegue sacudi-la. Ela olha rapidamente para o lado e o vê. Ele a olha e acena.
- O que ele estaria fazendo ali naquela manhã, na contramão do seu percurso habitual, se eles seguiam sempre em direções opostas! Teria mudado de cidade? Mudara-se para a “cidade sorriso”? Logo ele, que tanto se orgulhava de morar na “cidade maravilhosa”?
Há anos não se encontravam sequer se viam, mas, ainda assim, ela reconhece aquele olhar. Intenso! Insinuante! Penetrante! Olhar que a invadia, desnudava a sua alma e despertava o seu corpo, seu desejo e seus sonhos de mulher.
Desce a pista em direção à zona sul do Rio de janeiro. Ele a segue. Na longa avenida que conduz ao Elevado Paulo de Frontin e ao túnel Rebouças, os dois carros, agora lado a lado, são obrigados a parar. Sinal Fechado. Era esse o nome daquela canção! Ele acena, desce o vidro do carro e lhe oferece uma revista. Era escritor e professor de literatura na cidade onde ela morava. Esticando-se sobre o banco do carona, Helena desce o vidro da janela e recebe a revista. Na capa está o número de um celular escrito à mão e às pressas.
            -“Quando é que você telefona”?
 - Precisamos nos ver por aí,
 - Pra semana, prometo talvez nos vejamos.
 - Quem sabe...
 - Quanto tempo... Pois é...
 - Quanto tempo...”
Sinal aberto. Helena acena para ele e dobra à direita em direção ao elevado que conduz ao longo túnel que terá que atravessar. Ele segue em frente, naquela longa avenida em direção ao centro da cidade.
Bem depressa, ela volta ao CD de Paulinho da Viola para, mais uma vez, ouvir aquela canção. E, uma vez mais, bem alto, quase aos berros, ela faz coro com Paulinho, cantando:
            -“Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...
 - Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança! ”
 E nessa cantoria ela segue, percorrendo o elevado e atravessando as duas galerias do túnel em direção à zona sul da cidade. Naquele dia, sequer conseguira extasiar-se com a paisagem deslumbrante da Lagoa como sempre acontecia em suas idas para a universidade, onde os alunos a esperavam para mais uma aula de história da arte. Era artista plástica, e como ele, professora universitária nessa cidade maravilhosa onde ele morava. Estaciona o carro no pátio da Universidade e, bem depressa, pega a revista, confere o número do celular e passa os olhos rapidamente no título de alguns artigos publicados. Era uma revista acadêmica usada por ele, provavelmente, apenas para escrever e passar para ela o número do seu novo celular. O título do artigo de uma psicanalista, “As Máscaras d’A Mulher”, despertaram de imediato a sua curiosidade. Mas, atendo-se inicialmente ao número do celular – não era mais o mesmo – deixa a artigo para ler mais tarde, com calma, quando terminassem as aulas daquela manhã. Durante o almoço, talvez! Costumava almoçar com os colegas, professores ou alunos, mas naquele dia decidira que iria sozinha a um restaurante um pouco mais distante da universidade.
Mais uma vez olha para o número do celular e pensa:
- Como seria bom ouvir, uma vez mais, aquela voz!
- Não! Melhor não remexer nesse velho baú!
-Melhor deixar como está!
- Quem sabe ligar de um telefone público, ouvir a voz dele e desligar?
- Não! Melhor deixar como está!
Durante toda a manhã, sentira uma grande inquietação, mal conseguindo concentrar-se nas aulas que tão bem preparara. E pensar que no início da travessia da ponte sentia-se tão leve e serena! Todo aquele azul, aquela luz e aquele frescor, onde foram parar? Perdera-se no meio do caminho. Perdera-se naquele olhar. Naquela voz, que há tantos anos não mais escutara, mas que agora ecoava incessante em sua memória.
  Como e por que, depois de tantos anos, ele ainda conseguia tirar-lhe a serenidade, deixando-a, assim, parada naquele sinal de trânsito fechado?  
- Melhor telefonar e pronto! Quem sabe a voz já não é mais a mesma? Quem sabe suas palavras e sua retórica já não tenham mais qualquer efeito sobre mim...?”Pensa Helena.
 -“Quem sabe?
 -Quanto tempo!
 - Pois é... Quanto tempo!”
Término das aulas. Hora do almoço. Estancada diante de um telefone público, Helena não resiste. Disca o número do celular, deixa tocar uma única vez... Desliga.
 -“Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas...
 -Eu também tenho algo a dizer, mas me foge à lembrança!
 -Por favor, telefone – eu preciso beber alguma coisa rapidamente...”
 Apressa-se na direção do restaurante, esquivando-se dos colegas. Recolhe-se numa mesa escondida num canto da parede e pede a comida que mal prova. Bem depressa, abre a revista e, bem devagar, degusta cada palavra, cada frase do artigo da psicanalista. Esbarra numa passagem em destaque, no capítulo, cujo título era “A verdadeira mulher”:
“... Madeleine, esposa de André Gide, é uma verdadeira mulher em sua integridade de mulher quando queima todas as cartas de amor que Gide havia lhe enviado. Ela era prima e esposa de Gide, com quem mantinha um casamento branco. Ao descobrir a traição do marido numa de suas viagens, desesperada ela põe fogo nas cartas recebidas durante trinta anos, após lê-las, uma por uma... O homem que ganhara o Prêmio Nobel dedicava à mulher amada, porém não desejada, o melhor de sua obra. Gide declarava abertamente que essas cartas eram o melhor de sua obra. Madeleine planeja sua vingança, acabando com o que Gide tinha de mais precioso: ela queima suas cartas, que para ele representava sua alma, um filho, a alegria de viver. Em seu diário, ele conta que estas eram as mais belas cartas de amor já escritas e que elas seriam o seu legado destinado à posteridade. Elas eram únicas, não havia cópias. Queimada toda correspondência, Gide entra em processo melancólico que culmina com a morte de Madeleine. A autora do livro cita, então, Lacan: “Gide não percebe que Madeleine faria tudo por seu amor... exceto ter que dividi-lo com alguém. Uma mulher não mede sacrifícios para o seu homem: não há limites às concessões que cada uma faz para um homem: de seu corpo, de sua alma, de seus bens.  A mulher precisa estar certa de que o homem a ama, de que ela é a mulher dele.”
E, num sussurro, Helena conclui: - E a única.
Fecha a revista. Paga a conta. Levanta-se. Sai à procura de uma lixeira. Rasga a revista em pedacinhos, caprichando nas páginas do artigo e da capa com o número do celular. Joga todos os pedacinhos no lixo.
Caminha lentamente de volta à Universidade. E sorvendo todo o azul e toda luz daquela deliciosa tarde de outono, segue, depurando-se pelo caminho, sem máscara, sem nada. Uma brisa fresca e suave acaricia o seu rosto. Passada a limpo, segue em frente, sussurrando baixinho a última estrofe daquela canção:
-“Adeus!

- Adeus!”

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