VOTAÇÃO DO CONCURSO DE CONTOS "Minha Ilha, minha Mangueira, minha Cidade"
Apresentamos o conto "Minha Ilha, minha Mangueira, minha Cidade", da autora Edna das Dores de Oliveira Coimbra (adulta)
Leia aqui o conto na íntegra. Para votar, é só curtí-lo Minha Ilha, Minha Mangueira no Facebook
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Minha
Ilha, minha mangueira, minha cidade.
Foi
lá pelas dez horas da manhã do dia vinte e um de junho, depois de também
“cabriolar” pelo útero de minha mãe, procurando uma abertura, um “porto” para
me abrigar, que cheguei eu nessa “abra grande” que é a Enseada do Abraão.
Depois já menina, corria as várias praias da Ilha Grande; praias de beleza sem
igual.
Nós
morávamos bem pertinho do presídio que havia por lá. Mamãe contava que ele
recebia presos políticos contrários ao regime militar. Antes de ser presídio
era Hospital do Lazareto que aceitava estrangeiros enfermos que aportavam no cais
da Ilha Grande. Depois, foi transformado em presídio e passou a receber, não os
doentes de quarentena, mas nossos irmãos e companheiros queridos acusados,
justo ou injustamente, de conspirarem contra o Governo. Mais tarde esses presos
foram transferidos para o novo presídio: o Instituto Penal Cândido Mendes,
chamado de “O Caldeirão do Diabo”, e também de “Masmorra verde”. Ali o “bicho”
pegou. Pegou mesmo.
Durante
toda a minha mocidade ouvia contar que ali havia suplícios e torturas, Quem não
morria, desaparecia. Todos, culpados ou inocentes, presos políticos ou “presos
proletários” ficavam à mercê dos seus algozes. Nos dias de visita aos presos,
as mulheres da Ilha, ficavam próximo do cais para ouvir os lamentos das
esposas, mães, companheiras e irmãs que desciam da barca e se dirigiam para
serem revistadas, e assim, ingressarem no presídio para abraçarem seus
familiares. Elas mencionavam que muitos deles eram jogados em cela fria, sem
refeição digna. Em lágrimas, confidenciavam que seus maridos estavam cativos e
desamparados. Algumas acrescentavam que muitos eram adoecidos pelos insetos. O
pior de tudo era a violência física e mental. Ouvir isso me entristecia muito,
então eu corria para a Igreja de São Sebastião localizada bem na praça
principal do Abraão, e que em cinco de dezembro completa mais um ano de
fundação. Lá eu rezava e pedia clemencia ao Pai celestial não só por aqueles
que se encontravam encarcerado, mas principalmente pelos seus verdugos.
Papai
falava do Aqueduto cujas águas abasteciam o Lazareto e da Cachoeira dos
Escravos. Meu pai contava que a cachoeira recebeu esse nome por causa dos
escravos que trabalhavam no cultivo do café e que eram amarrados nas pedras da
cachoeira para que pudessem se banhar. Depois do jantar, rezávamos o terço com
a minha avó paterna, e eu agradecia a Deus, em silêncio, por mamãe ter nascido
livre. Depois de algum tempo papai foi transferido para a invernada de Olaria e
nos fomos morar no bairro de Ramos. Agora, além do meu irmão mais velho, havia
mais dois irmãos que nasceram depois de mim.
Na
cabeça do papai eu era tão menino quanto meus, e nos fins de semana ele nos
levava para assistirmos os jogos de futebol da equipe da Invernada. E eu
parecia mesmo um menino: era enfezada e briguenta. Não levava desaforo para
casa. E precisava ser mais homem que os meus irmãos, para gradar ao meu pai,
que nas peladas da nossa rua me colocava no gol. Papai nos sentava em troncos
existentes à volta do campo, e durante toda a partida eu pensava de qual árvore
teria pertencido aquele tronco.
Os
companheiros de farda de papai eram sempre muito atenciosos com as crianças e
com as mulheres presentes. Papai contava que a Invernada era uma polícia de
elite e que a bandidagem tinha medo dela. Como tinha do Batalhão de Operações
Policiais Especiais (BOPE); da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE); e,
da Ronda Ostensiva Coronel Nazareth Cerqueira (RONaC). Papai falava com muito orgulho
que pertencia a Polícia Militar do Distrito Federal. Lembro que certa vez papai
chegou acabrunhado e mamãe o indagou sobre o que havia acontecido. Ele nada
comentou. No disse seguinte, antes de irmos para a Igreja ele falou para mim e
para os meus irmãos: “Nunca vale a pena ser bandido. Nunca. Lembrem-se disso”.
Depois jogou o jornal em cima da mesinha de centro e se dirigiu para a porta da
sala. Na manchete estava escrito: “Treze balas de metralhadora encerraram a
existência do mais atrevido e perigoso bandido que marcou época nos Estados da
Guanabara e do Rio de Janeiro, José Miranda Rosa, o tristemente famoso
"Mineirinho", que foi encontrado morto, na manhã de ontem, pela
reportagem de O Dia e A Notícia, à margem da estrada Grajaú- Jacarepaguá. O
cadáver estava à beira de um grotão, em decúbito dorsal, no lugar chamado
"Pedra do Gambá", no morro da Cachoeira Grande, com a face esquerda
encoberta pela mão do mesmo lado. Tinha dois balaços no pescoço, dois no
maxilar, dois no rosto, dois no peito, dois nas costas, um na cabeça, um na
perna esquerda e o último no braço direito (...)”.
Havia
uma mangueira bem no fundo do nosso quintal e eu vivia abraçada ao seu tronco,
com o rosto colado nele. Eu sonhava em galgar aquele tronco imenso na esperança
de chegar ao topo e de lá apreciar o mais longe possível a beleza da cidade do
Rio de Janeiro. Depois que eu saia do colégio corria para debaixo da mangueira
e aspirava o perfume das suas flores. Eu amava a beleza da sua copa, os
primores dos seus frutos, a robustez do seu tronco. A sua coloração era variada:
verde, amarelo, laranja, vermelho e roseado. Lá em casa todos nós esperávamos
pelos seus frutos. Vovó dizia que era excelente alimentação para a criançada. E
dizia também que era fruta suculenta para a mulher menstruada e muito mais
saborosa para as que estavam grávidas e para as que entravam na menopausa.
Mamãe olhava para o meu pai de rabo de olho e esse lhe fazia um sinal que só os
dois sabiam o significado. Mas, minha avó não deixava por menos, e acrescentava
que os homens também se beneficiavam, porque além da riqueza de suas vitaminas,
seus frutos eram saboreados pelos homens em pleno vigor e pelos os que entravam
na antropausa. Nessa hora minha mãe fazia uma cara feia balançando a cabeça e
dizendo entre os dentes: velha tonta. Papai soltava uma gargalhada gostosa e
corria para fazer cócegas na mãe. Eu saía de fininho e corria para a minha
mangueira. Ela era frondosa, porque suas raízes eram profundas. Sua copa
arredondada mantinha sua folhagem ainda mais verde.
Nossa
cidade também é como a minha mangueira: é verde, é amarelo. É robusta, é bonita.
Acalanta no inverno. E encanta no verão. Muitos falam dos campos do Rio de
Janeiro. Falam de seus morros e de suas praias. Dos pontos turísticos que
encantam a todos os que por aqui passam. Quem poderia imaginar que com tantos
centenários a cidade do Rio de Janeiro continuaria tão bela e forte. Tão
sonhadora e jeitosa. Quem me dera também eu pudesse correr em torno dela, desfrutar
de cada uma de suas regiões. Abraçar todos os seus moradores. E me
confraternizar com os seus visitantes. Eu e minha mangueira querida fomos
abençoadas porque nossa vida está enraizada nas terras dessa cidade. Cidade verdadeiramente
Maravilhosa.